A tragédia da Família Stacy
ACONTECIMENTOS


A confusão que culminaria em uma das semanas mais sombrias da história recente de Nova York começou de forma quase banal — com uma exposição científica.
Naquela manhã clara, o Museu de Ciências Naturais de Nova York recebia visitantes de todas as idades para contemplar, com a curiosidade quase infantil que todo nova-iorquino ainda guarda, os famosos tentáculos mecânicos do Dr. Otto Octavius. Eles estavam presos a um suporte reforçado, desligados, exibidos como relíquias tecnológicas de uma era marcada tanto por genialidade quanto por insanidade.
Os guias explicavam, com um misto de fascínio e cautela, como Otto fora capaz de controlar aqueles apêndices apenas com impulsos mentais. Enquanto isso, a quilômetros dali, na penitenciária do meio-oeste, guardas relatavam que o cientista permanecia imóvel, sentado, olhando para o nada havia mais de uma hora. Tudo parecia absolutamente seguro.
A normalidade durou pouco. Quando o metal começou a despertar começou com um estrondo seco, quase como um soluço mecânico. Depois outro. Em seguida, o rangido de ligas metálicas se contorcendo como músculos reanimados. Os visitantes recuaram instintivamente quando os tentáculos começaram a se mover sozinhos — primeiro com lentidão, depois com precisão assustadora. Era como se uma inteligência invisível comandasse cada gesto, cada golpe, cada arrancada. O que se seguiu foi pânico puro e imediato. Os tentáculos arrebentaram as travas de segurança, destruíram painéis, derrubaram vitrines e varreram o saguão como serpentes de aço indomáveis. Pessoas correram, crianças choraram, e guardas do museu mal tiveram tempo de acionar o alarme antes de serem empurrados para longe pelas extremidades metálicas.
Quando os tentáculos alcançaram a rua, policiais tentaram contê-los. As balas ricochetearam como se fossem meras gotas de chuva. O Homem-Aranha chegou rápido, descendo como um cometa rubro-azul, tentando imobilizá-los com grossas teias brancas. Mas eles se libertaram com violência e revidaram, golpeando o herói com força suficiente para esmagar um automóvel. Ainda assim, ele persistiu, se esquivando com destreza até que uma tragédia iminente o obrigou a mudar o foco.
Um dos tentáculos atingiu a fachada de um prédio próximo. Fragmentos de concreto — blocos enormes, pedaços cortantes de aço e vidro — despencaram em direção aos pedestres. O som seco da estrutura cedendo ecoou pela avenida como um trovão urbano.
O Homem-Aranha reagiu no milésimo de segundo. Segurou toneladas de destroços sobre os ombros, cravando os pés no asfalto como se tentasse ancorar o próprio mundo. Os bombeiros levaram instantes eternos para chegar. Quando finalmente estabilizaram o que restava da estrutura, os tentáculos já haviam fugido. Octavius liberto — e faminto por caos
A notícia não demorou: eles invadiram a penitenciária e libertaram Otto com facilidade humilhante. Guardas mal tiveram tempo de entender o que acontecia antes de serem desarmados e derrubados. Essa sequência de eventos deu início a uma escalada que colocaria Nova York — e o mundo — em alerta.
Como se quisesse anunciar ao mundo que estava de volta, Otto Octavius foi atrás de um alvo de impacto: um Boeing 747 que decolara do aeroporto O'Hare, levando o General Su para uma reunião na ONU, passageiros civis e, ironicamente, J. Jonah Jameson, editor do Clarim Diário, e seu filho.
Dizem que Otto entrou na aeronave como um predador entrando numa sala trancada com presas indefesas. Em minutos, rendeu os militares, tomou o cockpit e fez sua exigência: 10 milhões de dólares, ou todos morreriam. O pouso forçado do avião se transformou em palco de mais um espetáculo de horror — e heroísmo.
Eu estava lá, acompanhando a movimentação no solo, quando vi o Homem-Aranha invadir o avião como uma flecha viva, rompendo a fuselagem superior. Um clarão de faíscas, gritos, e depois silêncio tenso. Segundo testemunhas dentro da cabine, o herói cegou temporariamente o vilão usando sua teia, permitindo a fuga dos reféns antes que a batalha se reiniciasse.
A aeronave, já sem controle, começou a se mover sozinha pela pista. A luta dentro do cockpit fazia o gigante de metal sacudir como um animal ferido. Assisti, paralisado, ao herói saltar para fora, segundos antes do impacto contra o muro de contenção. A explosão transformou o céu em um sol temporário.
Dias depois, os dois voltaram a se enfrentar. Desta vez, no topo da Central de Energia de Nova York — talvez o pior lugar possível para um confronto daqueles. O vento forte carregava cheiro de ozônio e fumaça. As pessoas observavam de baixo, apontando celulares, quando viram o Aranha ser repetidamente empurrado, golpeado e quase derrubado pelos tentáculos. Otto o atacava com uma fúria quase pessoal.
A certa altura, o vilão ergueu uma caixa d’água colossal. Eu me lembro do barulho — um ranger grave que fez todo o quarteirão estremecer. Otto a lançou como se fosse uma bola de playground. A estrutura rolou pelo telhado e quase despencou sobre a multidão. O Homem-Aranha a segurou com o próprio corpo. Foi um momento de puro sacrifício — o herói arqueado sob toneladas de metal e água, gritando de esforço enquanto pessoas corriam abaixo. Mas esse gesto deixou-o vulnerável, e Octavius aproveitou. Com um golpe brutal, o lançou do alto do edifício. O herói só se salvou desviando a queda e entrando por uma janela poucos andares abaixo. Octavius fugiu.
Mais tarde, naquele mesmo dia, o Aranha voltou ao confronto, mas agora com uma estratégia. Em determinado momento, os tentáculos de Otto começaram a agir contra seu próprio criador — golpeando-o, agarrando-o, como se disputassem controle, certamente o herói aracnídeo conseguiu um jeito de atrapalhar a conexão telepática do Dr. Octavius com seus tentáculos, fazendo-os ficarem sem controle.
Um golpe errado destruiu uma chaminé enorme. Lembro do som dos tijolos rompendo o ar — um barulho seco, cruel. Os destroços caíram direto na rua, onde dezenas assistiam. Entre eles, um menino pequeno. Ele ficou paralisado, incapaz de fugir. O Capitão George Stacy viu primeiro. Ele correu sem hesitar, jogou o próprio corpo contra o do garoto, empurrando-o para fora da trajetória mortal. E recebeu, sozinho, o impacto dos escombros.
Quando o Homem-Aranha chegou, tirou o policial dos entulhos com uma delicadeza que não combinava com sua força desumana. Stacy ainda respirava — pouco, mas respirava. A expressão do Aranha naquele momento... não era de um vigilante. Era de alguém que havia perdido mais do que um aliado: havia perdido um pilar moral da cidade.
A ambulância o levou, porém, seu destino já estava decidido. A cidade mal começava a processar essa perda quando o próximo golpe atingiu — e desta vez, seria devastador de um jeito pessoal e irreversível.
Alguns dias depois, o Duende Verde voltou a sobrevoar Nova York. Ele invadiu a janela de um apartamento e sequestrou uma jovem conhecida: Gwen Stacy, filha do capitão recém-falecido. O destino parecia zombar da família Stacy. O Duende levou a garota em direção à Ponte George Washington. Do helicóptero do Jornal Nerd, acompanhamos a perseguição — o vento cortando o casco da aeronave, o rugido do morcego a jato ecoando pelo rio, o brilho verde sinistro do vilão.
O Homem-Aranha chegou poucas dezenas de segundos depois. A batalha no alto da torre era frenética: golpes rápidos, investidas perigosas, explosões de faíscas, teias se rompendo no vento forte. A certa altura, o herói conseguiu agarrar Gwen, desacordada, e a afastou do vilão.
Foi aí que o Duende cometeu seu ato mais cruel. Ele avançou com seu jato, empurrou o Aranha com força e, num movimento frio e calculado, lançou Gwen em queda livre. A queda que calou a cidade. Do helicóptero, vi a cena como se fosse em câmera lenta. Gwen despencou. O corpo solto, frágil, caindo contra um fundo de água escura e luzes cintilantes da cidade. O Aranha com uma urgência que nunca vi antes — uma mistura de heroísmo e desespero puro. Ele disparou a teia. O fio se prendeu às pernas da jovem. Sua queda foi interrompida num único estalo seco, ecoando pelo vazio entre a ponte e o rio. E então… tudo parou.
O corpo de Gwen ficou imóvel, pendendo na teia. Sem reação. Sem movimento.
Silêncio absoluto no rádio. Quando o Homem-Aranha a ergueu novamente até o topo da ponte, sua postura dizia tudo. Não houve grito imediato. Não houve bravata.
Apenas… dor silenciosa e devastadora. Ele segurava Gwen como se segurasse algo que não deveria ter quebrado. Algo que ele teria dado tudo para salvar. Algo — alguém — que significava muito para ele.
Quando pousou o corpo da jovem no solo, fez isso com um cuidado tão profundo que até os policiais hesitaram antes de se aproximar. Um sargento me disse depois:
“Ele carregou como se fosse… alguém dele.” Tentaram detê-lo. Tentaram contê-lo. Ninguém conseguiu. Um Homem-Aranha em fúria não é algo que humanos normais podem segurar.
Horas depois, fontes confiáveis afirmaram que ele foi visto entrando em um depósito abandonado perto do Hudson. Minutos antes, o Duende Verde também havia sido avistado entrando ali. Explosões ecoaram do galpão. Luzes vazaram por frestas. O som de luta era quase animal. E então, silêncio.
O Homem-Aranha saiu por uma janela lateral — exausto, ferido, mas vivo. O Duende Verde…/ nunca saiu. E a polícia não encontrou nada. E agora? Dois super-humanos entraram naquele prédio. Só um saiu.
Nova York perdeu duas vidas inocentes naquela sequência de tragédias:
um pai heroico e sua filha brilhante. Ambos vítimas de uma escalada de violência que parece não ter fim. E o herói da cidade — o mesmo que tantas vezes salvou milhares — terá que carregar sozinho o peso do que não conseguiu impedir.
O futuro responderá se o Duende realmente saiu daquele galpão…
Mas para a família Stacy, para o Homem-Aranha, e para quem testemunhou tudo isso, uma coisa já é certa: Nada voltará a ser como antes.




